quinta-feira, 12 de abril de 2018

Poema da semana de 9 a 13 de abril
















São herança camponesa, as mãos.

Estas pequenas mãos, de geração

em geração, vêm de muito longe:

amassaram a cal, abriram sulcos

frementes na terra negra, semearam

e colheram, ordenharam cabras,

pegaram em forquilhas para limpar

currais: de sol a sol nenhum

trabalho lhes foi alheio.

Agora são assim: frágeis, delicadas,

nascidas para dar corpo a sons

que, noutras épocas, outras mãos

se obstinaram em escrever como

se escrevessem a própria vida.

Ao vê-las, ninguém diria que

a terra corria no seu sangue.

São mãos envelhecidas, mas no teclado

são capazes do inacreditável: juntar

nos mesmos compassos o rumor

dos bosques em setembro e os risos

infantis a caminho do mar.


Eugénio de Andrade, In Os Sulcos da Sede (2001)



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