terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Poema da semana 4 a 11 de dezembro







    ARMA SECRETA

Tenho uma arma secreta
ao serviço das nações.
Não tem carga nem espoleta
mas dispara em linha reta
mais longe que os foguetões.
Não é Júpiter, nem Thor,
nem Snark ou outros que tais.
É coisa muito melhor que todo o vasto teor
dos Cabos Canaverais.
A potência destinada às turbinas
não vem da nafta queimada,
nem é de água oxigenada
nem de ergóis de furalina.
Ereta, na torre erguida,
Em alerta permanente,
espera o sinal da partida.
Podia chamar-se VIDA,
chama-se AMOR, simplesmente.
    António Gedeão

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Poema da Semana 27 de novembro - 4 de dezembro


Poema da Eterna Presença
Estou, nesta noite cálida, deliciadamente estendido sobre a relva,
de olhos postos no céu, e reparo, com alegria,
que as dimensões do infinito não me perturbam.
(O infinito!
Essa incomensurável distância de meio metro
que vai desde o meu cérebro aos dedos com que escrevo!)
O que me perturba é que o todo possa caber na parte,
que o tridimensional caiba no dimensional, e não o esgote.
O que me perturba é que tudo caiba dentro de mim,
de mim, pobre de mim, que sou parte do todo.
(…)
António Gedeão, in 'Poemas Póstumos'


domingo, 18 de novembro de 2018

Poema da semana 20 a 27 de novembro















TODAS AS PALAVRAS
As que procurei em vão,
principalmente as que estiveram muito perto,
como uma respiração,
e não reconheci,
ou desistiram e
partiram para sempre,
deixando no poema uma espécie de mágoa
como uma marca de água impresente;
as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te
nem foram capazes de dizer-me;
as que calei por serem muito cedo,
e as que calei por serem muito tarde,
e agora, sem tempo, me ardem;
as que troquei por outras (como poderei
esquecê-las desprendendo-se longamente de mim?);
as que perdi, verbos e
substantivos de que
por um momento foi feito o mundo
e se foram levando o mundo.
E também aquelas que ficaram,
por cansaço, por inércia, por acaso,
e com quem agora, como velhos amantes sem
desejo, desfio memórias,
as minhas últimas palavras.

Manuel António Pina 
(Nasceu a 18 de novembro de 1943, no Sabugal e faleceu a 19 de outubro de 2012, no Porto)

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Poema da semana 6 a 13 novembro


AS MINHAS MÃOS

As minhas mãos mantêm as estrelas,
Seguro a minha alma para que se não quebre
A melodia que vai de flor em flor,
Arranco o mar do mar e ponho-o em mim
E o bater do meu coração sustenta o ritmo das coisas.

Sophia de Mello Breyner Andresen | "Coral", 1950

terça-feira, 30 de outubro de 2018



A 18 de Novembro de 2018, celebra-se o 75° aniversário do nascimento do Poeta Manuel António Pina, autor de uma das obras mais consistentes e imaginativas da literatura atual escrita em língua portuguesa.





NOVEMBRO
A respiração de Novembro verde e fria
Incha os cedros azuis e as trepadeiras
E o vento inquieta com longínquos desastres
A folhagem cerrada das roseiras.
Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Com Fúria e Raiva

Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada

De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse

Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra 


Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas" 

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Poema da semana


Homens que são como projectos de casa
Em suas varandas inclinadas para o mundo
Homens nas varandas voltados para a velhice
Muito danificados pelas intempéries

Homens cheios de vasilhas esperando a chuva
Parados à espera
De um companheiro possível para o diálogo

Homens muito voltados para um modo de ver
Um olhar fixo como quem vem caminhando ao encontro
De si mesmo
Homens tão impreparados tão desprevenidos
Para se receber

(…)
                 Daniel Faria, in Poesia